Os perigos da acomodação profissional
As tempestades vêm tirar cada um de nós do mundo conhecido, da nossa acomodação
Por Roberto Aylmer*
Por algum tempo ser workaholic chegou a ser tratado como sinal de
comprometimento, a ponto de hora extra ser vista pela companhia como um
padrão a ser seguido. Ainda que esse perfil seja comum, estudos mostram
que seu custo é mais alto do que o imaginado. O trabalho excessivo pode,
ao contrário do que parece, ser um sinal de acomodação. Olhando de fora
jamais se pensaria que o executivo que trabalha 12 horas por dia é um
acomodado, mas ele pode estar sob a pior forma de acomodação: fazer mais
do mesmo. O jogo mudou e quando o jogo muda, é preciso mudar a
estratégia.
Uma reflexão importante vem de uma
comparação simples: de 0 a 10, o quanto você diria que seu mercado mudou
nos últimos cinco anos? Agora, com sinceridade, de 0 a 10, o quanto
você mudou sua forma de trabalhar no mesmo período? Não estou
perguntando quantos cursos você fez ou que ferramentas aprendeu, mas o
quanto você mudou sua forma de pensar e agir.
Talvez
a taxa de mudança tenha sido muito maior no seu mercado do que em sua
forma de trabalhar. Jack Welch tem uma frase clássica que resume este
conceito. Ele disse que “se a taxa de mudança interna é menor do que a
externa, então o fim está próximo”.
Não
importa o quanto você sabe, mas o quanto você conseguiu manter sua taxa
de mudança proporcional ao seu contexto. Por exemplo, se sua taxa de
mudança como gerente for menor do que seus pares, seu diretor vai olhar
para você como quem ‘derruba seus indicadores’, logo, seu fim estará
próximo.
Se eu perguntar para executivos de uma
mesma empresa se eles mudaram muito nos últimos 5 anos, talvez 90% diga
que sim. Mas se eu perguntar se a taxa de mudança de seus pares, chefes
e até da empresa é alta, talvez 90% diga que não. Há uma área cega e
de difícil diagnóstico na qual não enxergamos o risco real. Jim Collins,
no livro “Como caem os grandes”, diz que a acomodação é como um câncer,
que no estágio inicial é mais difícil de detectar, porém mais fácil de
tratar. Já no estágio final é mais fácil de diagnosticar, porém bem mais
difícil de tratar.
Aqui o perigo aumenta com a
idade. É natural um jovem, iniciando sua carreira, ter pensamento
centrado no próprio crescimento. Ele vem “vencendo os outros” desde a
escola, na faculdade, na seleção (ou concurso público), entra na empresa
e, finalmente, chega num cargo de liderança. Ele venceu! Bem, esse é o
estágio mais fácil.
Ao ser promovido a gestor,
o técnico tem 12 horas de felicidade. Celebra com a família e se sente
avançando na vida, mas, no dia seguinte,tem um desafio para o qual nunca
foi preparado: lidar com gente. E vai tentar resolver novos problemas
com as velhas estratégias de técnico. Faz grande parte do trabalho da
equipe e cobra das pessoas assim como foi cobrado pelos seus chefes.
Ao
atravessar os 40/50 anos, ele vai precisar de outra estratégia para
lidar com a complexidade de seu cargo e de sua vida. Sua equipe é maior
(e às vezes geograficamente dispersa), com várias gerações diferentes,
seus filhos são adolescentes, seu casamento (1o, 2o ou 3o) também tem
desafios complexos. Ele já não consegue colocar mais horas em seu dia e
precisa de um novo modelo de trabalho.
Nesta
etapa, a estratégia de “vencer os outros” apresenta sua conta. Quanto
mais ‘cadáveres pelo caminho’ tiver deixado e mais aliança tiver
construído, mais conseguirá desembaraçar assuntos complexos. Muitos dos
seus desafios dependem de alianças com outras áreas.
As
tempestades vêm tirar cada um de nós do mundo conhecido, da nossa
acomodação. E aqui cabe lembrar Epicuro, filósofo e navegador grego, que
nos disse: “os barcos estão seguros na baía, mas não foi para isso que
eles foram feitos”.
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